quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Dia P

Antes de mais nada queria agradecer às mulheres incríveis das comunidades "Parto Nosso" e "Materna SP", muitas das quais eu nunca tive o prazer de conhecer pessoalmente, mas que estavam lá dando apoio e carinho e me ajudando tanto nesse processo. À Bia Takata que fotografou o parto – na verdade eu fui tão rápida que ela chegou já depois no Nuno nascer, mas fotografou esse momento único e tão incrível que foi nosso re-conhecimento com o Nuno. Ao meu pai que durante o trabalho de parto foi calmamente em casa pegar nossa cadela e as duas gatas que miavam/latiam como filhotes atrás da onça-mãe gritando com contrações pela sala pra lá e pra cá. 
Agradeço muito à minha tia Tereza que cozinhou durante toda a gravidez pra que eu não morresse de inanição e enjoo e me ouviu e foi molhada de lágrimas diversas vezes. 
Eternos agradecimentos à minha querida doula e grande amiga Mariana de Mesquita, à minha parteira super-heroína Ana Cristina Duarte, à minha terapeuta-"vidente" Cleide Lopes, por todo apoio, paciência, carinho e dedicação, sem vocês eu não teria conseguido.

E agora sim, o relato "parido":


Logo que engravidei enjoei tanto que fiquei de cama, como se estivesse doente, até a 18° semana de gestação. Eu sabia que eu tinha um longo e árduo caminho a percorrer pra estar pronta dali nove meses. Eu tinha que passar de menina-filha que foi abandonada pela mãe, a mulher-mãe que nunca vai abandonar um filho. 

Mesmo antes de engravidar eu já havia pesquisado sobre parto, eu já estava nas listas de discussão, e já havia lido alguns livros, matérias e outros materiais sobre parto humanizado e eu queria, com a cabeça, um parto domiciliar. 
Eu me preparei, logo na oitava semana escolhi minha doula que foi essencial nesse processo, Mariana. Nos encontrávamos uma vez por mês e ela foi me passando exercícios para fazer todos os dias, me ensinou a andar de cócoras, a respirar pela vagina, a fazer alongamentos de músculos que eu nem sabia que existiam em mim. Me indicou a morfoanálise, eu fui. Estava exausta da psicanálise cabeção, daquela poltrona onde me sentei durante anos e onde de fato fiz muitas descobertas, mas que agora não me servia mais. Depois desse tempo todo só o que restou foi apenas a frustração de ter consciência sobre todos os meus problemas mas não conseguir resolve-los. Na morfoanálise, Cleide me ajudou a entrar em mim, lá dentro, bem fundo, através do trabalho corporal, durante o qual tive diversos insites, muitas lembranças da infância e da minha mãe, e finalmente alguma compreensão e alivio sobre muitas coisas a que fui obrigada a passar nessa época da vida. E as coisas começaram a mudar, eu mudei, eu me permiti. Fiquei flexível, com meu corpo abarrotado de estrogênio e relaxina pude me dobrar e desdobrar, eu estava pronta pra parir. Eu queria parir em casa, agora com uma vontade e força que vinham do fundo do meu útero, já bem esticado. 
Durante a gravidez também, eu e meu marido fizemos terapia de casal pra aparar umas arestas e traze-lo pra dentro dessa jornada que até então parecia que estava trilhando sozinha. Ele veio com rapidez, como uma prova de amor e devoção. Ele não estava sob os efeitos da relaxina mas conseguiu se esticar pra me alcançar e me dar todo o apoio que eu precisei, e assim foi, assim fomos...
Eram 11 e tantoda noite do dia 4 de maio de 2012 quando eu senti minha barriga ficar inteira dura, numa contração bem diferente das contrações de treinamento, era maior, era mais forte, era uma contração com C maiúsculo. Era a minha 39° semana de gestação, liguei para minha querida doula Mariana pra dizer que estava em pródromos, ela acreditou, as contrações estavam sem ritmo e minha voz não mudava ao telefone quando elas vinham. E não havia dor nenhuma ali mesmo. Ela foi dormir, e eu aceitei o convite do meu marido de assistirmos alguns episódios inéditos de algumas séries que ele tinha baixado. E a cada contração que vinha eu ia fazendo os exercícios da Therésse Bertherat, do "Quando o Corpo Consente".
Na verdade mais especificamente o exercício de maxilar e o sugerido para o trabalho de parto, que é tentar encostar o umbigo na vagina num movimento de flexão com respiração, e "respirar pela vagina".  
Assistimos um "Once Upon a Time", e eu fui umas duas ou três vezes fazer xixi no meio do episódio, depois colocamos dois episódios de "Two and a Half Men" e eu comecei a alternar os xixis com cocô. Me perguntei se isso não era já um trabalho de parto mas as contrações não eram doloridas, eram apenas incomodas. E então no meio do episódio final da última temporada de "The Big Bang Theory", vomitei todo o jantar e "decidi" que aquilo era sim um trabalho de parto, se não era então meu parto domiciliar estava arruinado, eu ia querer analgesia! Ligamos de novo pra Mariana e ela pediu que eu me tocasse pra ver a dilatação mas minha barriga estava tão grande que eu não conseguia, então Rafa colocou a luva e fez o toque. Ao invés de um "túnel com bordas lá no fundo" ele sentiu logo uma coisa lisa e dura bem na
entrada do canal vaginal Ele não sabe ao certo mas concluiu que aquilo eram uns 7 ou 8 cm de dilatação já que abriu bem os dedos e a bolsa já estava no meio do caminho. Eu fui pro chuveiro (ah, a água quente...) e um tempo depois a resistência queimou. Eu bati nele, dei vários socos no braço porque fazia duas semanas que estávamos brigando por "chamar ou não chamar o eletricista". Pro chuveiro funcionar mais do que 15 minutos no "bem quente" teríamos que trocar toda a fiação e o disjuntor, mas Rafa disse que o eletricista estava me enganando querendo ganhar em cima e que não era necessário isso tudo, que o chuveiro aguentava. Eu briguei feio no dia anterior e chamei o eletricista que podia vir fazer o serviço no sábado logo cedo... É, só que era madrugada da sexta pro sábado e eu ia parir sem água quente! É difícil ter razão durante o trabalho de parto.
Saí do chuveiro e já estava naquele transe, a tal da partolândia. Uma viagem louca, cheia de sensações, lembranças e impressões. Eu andava pela casa, não podia ficar parada, não tinha mais posição. Eu amaldiçoei a pessoa que disse que tem que achar uma posição confortável para a contração, porque quando as contrações vinham não havia jeito, era uma onda enorme que ia me engolir, ia me engolir, eu sabia que ia! Cada uma delas dava a impressão que ia me levar pra longe e nunca mais me devolver. Então eu me lembrei que tinha que me entregar, que tinha que deixar a onda me levar pra onde quisesse, era só me lembrar de "respirar" vez ou outra quando pudesse. Então eu fui. Lá pra dentro, tão lá dentro que nada parecia real. Algumas contrações eram prazerosas enquanto que outras pareciam ser um mergulho no inferno de Dante. Eu tive a oportunidade de falar com minha mãe: "Então é assim? Foi por isso que você me deixou? Eu te fiz sofrer?? Eu não tive culpa, eu não queria... Será que vou fazer como você e abandonar meu filho? Eu não quero, eu não posso repetir o erro. Nuno, eu vou ser melhor que ela foi comigo, filho, eu te prometo, eu vou ser melhor, eu não vou te deixar, eu não vou embora..." Então Rafa encostou em mim, segurou meu braço enquanto eu chorava e eu fiquei meio violenta, hoje percebo que me veio a mesma sensação física de quando eu fui abusada na infancia e pre-adolescencia, eu gritei: "TIRA A MÃO DE MIM! ME DEIXA! NÃO ME ENCOSTA!!!". E então me dei conta que tava gritando e empurrando meu amor, meu grande amor, que estava ali me apoiando e aí eu o segurei pelo braço, peguei a mão dele e a coloquei em mim, então assim ele podia me tocar. E assim ficamos, ele andava segurando meus antebraços e eu segurava nos dele e fomos andando pelo apartamento apertado. Eu queria mais espaço pra andar, amaldiçoei a verticalização das cidades, a vida moderna, a minha vida. E eu disse a ele: "eu não sei amar, eu não sei amar, como eu vou criar essa criança? Eu faço tudo errado eu sufoco quem eu amo, eu sou toda errada, como vou conseguir ensinar esse menino a viver? Eu não sei viver!" Rafa me lembrou que isso era só um medo sem sentido, que eu podia, que eu aprendi a viver, que eu escolhi a vida, escolhi curar minhas feridas e seguir em frente, e que eu já estava fazendo o melhor pra ele, que eu ia conseguir, que eu só precisava seguir meu coração, meus instintos. Então eu me dei conta que não sei desde quando eu quero ser mãe. Desde muito pequena, tão pequena que nem me lembro. Eu me preparei a vida toda pra isso e finalmente meu grande sonho estava se realizando, meu filho tão esperado ia chegar a qualquer momento! E eu chorei e falei pra ele não se assustar que eu precisava exorcizar uns demônios pra ele poder nascer.
Acho que nesse momento, ou em algum outro que não me lembro (a lembrança do parto é como de um sonho, como que envolta numa névoa) chegou Mariana e Ana Cris com uma bagagem enorme, umas quatro malas que Rafa foi ajudar a carregar. Parecia que as portas dos céus tinham se aberto e a chegada delas juntas me deu a certeza de que ele ia nascer logo, me deu segurança, a segurança que eu
precisava pra parir. A Mari durante a gestação se tornou uma grande amiga. E Ana Cris foi uma mãe, firme e carinhosa como só ela sabe ser. Essas duas mulheres me ensinaram muita coisa e sem elas eu não teria nem chegado na metade do caminho. A primeira coisa que disse pra Mari foi: "NÃO TEM POSIÇÃO, É MENTIRA, NÃO TEM POSIÇÃO, VC DISSE QUE TINHA, MAS NÃO TEM!!" – e comecei a chorar. Ela me acalmou, me levou pra cima do edredom estendido na frente do sofá e fez massagem nas minhas costas, o que foi um grande alívio. Enquanto isso, Ana Cris foi lavar as mãos e durante uma das contrações a bolsa estourou e eu vi mecônio. Eu apontei pro líquido e disse: "MECÔNIO, MECÔNIO!!!" Mari disse pra eu não me preocupar e Ana Cris veio e ouviu os batimentos, tudo ok, o mecônio estava lá mas os batimentos do coraçãozinho dele estavam ótimos. Ela colocou as luvas pra fazer o toque, estava nascendo, a cabeça dele estava logo ali. Na hora ela disse: Mariana, pega a banqueta e os lençóis descartáveis, tá nascendo! Sentei na banqueta e disse algo assim: "Eu achei que eram os pródromos, Ana Cris, achei que ia ter tempo de fazer a unha e pintar de vermelho pra fazer inveja nas cesareadas de eletiva que tem que tirar o esmalte pra entrar no centro cirúrgico! Não consegui fazer nada, Ana Cris, nem minha play list eu ouvi!!" Ela riu, veio uma contração, eu segurei e disse que queria a piscina. AC respondeu: "querida, não vai dar tempo nem de inflar, você é rapidinha, já tá nascendo, faz uma força que o Nuno nasce!" Veio mais uma contração e eu achei que ia rachar ao meio! E pedi então uma bacia com água quente pra eu sentar por que se não eu ia lacerar, eu sabia que ia lacerar!
AC deu uma olhadela no meu períneo e disse: "Não vai não, tem períneo pra dar e vender aí querida, faz uma força que ele nasce!" Eu insistia que ia lacerar, e durante essas contrações finais, tentando segurar o processo, falei tantos palavrões que descobri mais uma habilidade minha: posso escrever um dicionário de palavras de baixo calão em português.
Assim ficamos uns minutos, AC e Mariana dizendo que eu não ia lacerar, que não precisava ter medo disso e eu rebatia com um: "eu só cheguei no 26 do epi-no, eu vou lacerar!"
E então durante uma contração percebi que eu fazia movimentos com a cabeça, era um balanço como se fossem "nãos" frenéticos, pra direita e pra esquerda, bem rápido. Eu estava negando tudo, eu estava paralisada de medo, eu estava me tornando mãe. Era uma passagem sem volta, uma revolução na minha vida. Meu bebê estava ali, era real, ele se mexia no meu canal vaginal lutando pra nascer.
Percebi que precisava ajuda-lo nessa passagem, era o nascimento dele, meu filho, essa pessoinha que foi crescendo dentro de mim e que eu já amava tanto. Era a minha primeira missão como mãe, eu tinha que trazê-lo ao mundo, deixar meus medos de lado e ajuda-lo a vir.
Então, me veio essa vontade louca de ter meu filho nos braços e a certeza de que eu ia conseguir dar conta de ser mãe. Veio uma força enorme de dentro de mim, e eu fiz uma força de verdade e veio a cabeça dele, e mais uma força e meu corpo foi tomado pela melhor sensação da minha vida, meu filho veio pros meus braços.
Às 3:18 daquela madrugada do dia 5 de maio, dia incrível. Ele chorou um pouquinho, só pra dizer que chegou. AC me aplicou ocitocina intramuscular preventivamente, eu tinha risco de hemorragia pelo parto ser muito rápido. A placenta dequitou e Rafa cortou o cordão umbilical, Nuno mamou muito. 
Tudo correu perfeitamente bem, a tão temida laceração no períneo não existiu, e eu pude tomar um banho logo que levantei do sofá e fui pro quarto.
Não sei dizer em palavras o que senti, só sei dizer que minha vida valeu a pena, cada dia que passo com meu filho, cada hora com ele, vale a minha vida.

São Paulo, 17 de Agosto de 2012

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Nuno, meu filho,

Está chegando a hora, sua vida uterina está chegando ao fim.
Fiz de tudo pra que você se sentisse bem aí, mas a coisa está ficando apertada, você está crescendo bastante, e apesar de não parecer pra você agora, isso é um ótimo sinal.
Em breve seremos eu e você trabalhando juntos pra que você conheça esse mundo aqui do lado de fora. Farei de tudo pra que essa passagem seja o mais sutil e menos agressiva possível pra você.
Estou muito ansiosa pra te conhecer mas não quero que você se apresse por isso, quero que você fique tranquilo e aproveite cada momento, agora e sempre.
A vida é isso, feita de momentos, basta que nós saibamos aproveitá-los.

Com todo amor que há nesta vida,
Sua mãe.

Monstros internos

Tantos pensamentos, tantas dúvidas...
Me sinto tão perdida, apesar de parecer muito certa e muito convicta de todas as escolhas que fiz.
A verdade é que não sei nada!
Eu não tenho medo do evento fisiológico do parto, assim como a maioria das mulheres que temem as dores, as contrações, o sofrimento fetal, temem uma vagina lacerada, uma bexiga caída... Os eventos fisiológicos do parto me parecem naturais, o que temo de fato é o evento psicológico do meu parto, que pode atrapalhar todo o processo fisiológico natural. Fico pensando nas coisas todas que hei de elaborar durante um trabalho de parto... Esses rancores, essas tristesas, essa mãe fugitiva que tive, os abusos que sofri. Será que tudo isso me virá durante o trabalho de parto?? O que mais eu tenho pra elaborar? Será que tenho que perdoar minha mãe pra parir?? Se não consegui fazer isso em 20 anos, como farei em algumas horas??
Sempre preferi as dores físicas às emocionais. Não é a toa que tenho uma tatuagem que cobre 1/4 do meu corpo. Nunca reclamei a toa de dor, não gosto de parecer fraca, de me sentir fraca, mas a gestação já me ensinou isso, de que agora tudo mudou, eu serei o que tenho que ser, sentirei o que tenho que sentir e não há nada que eu possa fazer sobre isso a não ser abraçar tudo e deixar a contecer.
Acho que a resposta é essa: abraçar, o que quer que seja. Abraçar meus monstros seja lá de onde eles vierem ou quão feios pareçam. Vou abraçar toda e qualquer coisa feia, bonita, tosca, medonha, e assim, ao final de tudo quem estará nos meus braços é meu filho.
Que venham, que venham todos os monstros do mundo!




segunda-feira, 2 de abril de 2012

novos caminhos

Sei que estas semanas finais de gestação são meus últimos momentos comigo mesma, a partir do parto serei outra, serei mãe, serei dois: eu e Nuno. Nunca mais só eu, mesmo depois dele grande, adolescente ou adulto, sempre terei  ele comigo, ou a separação dele comigo. 
“Filhos são pra sempre” dizem por aí, e agora com ele crescendo tanto  e espremendo meus órgãos dentro da minha barriga começo a ter uma leve mostra disso. 
Em breve serei uma outra pessoa. A gestação já me mudou um tanto e o puerpério vai reformular tudo a partir do que eu nem imagino que seja.  Eu sei que depois que ele vier, tudo será absolutamente diferente.
Dizem que as mulheres não cabem mais nas próprias roupas, não porque não tenham emagrecido no pós parto, mas sim por não caberem psicologicamente em suas roupas de antes da maternidade.  Não cabem mais nos seus antigos empregos, nos seus antigos valores de vida...
Tenho medo, um medo enorme de não caber mais em mim, de me perder numa estrada sem volta onde terei que enterrar essa parte de mim, talvez uma parte que eu goste muito, e começar tudo de novo, num ciclo novo, numa nova Carolina que até engravidar estava tão encaminhada e certa de seu destino...

sábado, 17 de março de 2012

Sonhos

Tive diversos pesadelos e sonhos estranhos nos primeiros meses de gestação, depois meu sono se acalmou, parei de acordar tantas vezes a noite ressaltada com as bizarrices do meu inconsciente, que as vezes me prega peças com sonhos assustadoramente criativos e enigmáticos.
Agora eles voltaram com força total.
Li num desses sites sobre bebês e gravidez que é muito comum "sonhar com monstros, fantasmas do passado e animais" por conta da carga de progesterona que fica cada vez maior no corpo da gestante, além da ansiedade toda em se tornar de fato mãe.
Bem, a ansiedade existe mas não está me afetando de forma negativa. De alguma maneira pela primeira vez na vida, a ansiedade me deu forças pra fazer o que preciso pra receber meu filho. É uma força mágica que nunca tive na vida, um impulso forte que me faz acordar de manhã e organizar a casa, o enxolval, fazer exercícios para o parto, ler mais sobre tudo isso... Normalmente a ansiedade me paraliza, de agonia, retarda qualquer trabalho que eu tenha que fazer, e só controlando a ansiedade é que consigo executar algo necessário. A vida toda foi um combate entre meus sentimentos e o que eu queria fazer.
Agora as coisas fluem, como deve ser, e tudo vai pro seu lugar.

domingo, 4 de março de 2012

O parto domiciliar e o resto do mundo

Quando falo sobre parto domiciliar, ou mesmo sobre parto natural hospitalar, percebo que sem querer acabo por ofender a maior parte das pessoas.
Falar que uma cesárea por volta de cordão foi desnecessária, que toda mulher com gestação de baixo risco pode e deve parir sem intervenções, dizer que estourarem a bolsa artificialmente em pleno trabalho de parto fez o bebê correr risco e que esse parto acabou em cesárea por imperícia da equipe e manipulação desnecessária do parto, pode soar que estou querendo dizer que meu interlocutor é um loser, ou que a mãe dele é, ou a mulher, a irmã, a sobrinha, a tia, a vizinha, o mundo todo é loser – visto as altas taxas de cesáreas no Brasil, maiores ainda no setor privado. Existe essa mácula e a pessoa se nega a aceitar os fatos, se nega a compreender as evidencias científicas, por mais inteligente e capaz intelectualmente que ela seja. Não lê os artigos e livros indicados por mim e rebate com informações dos livros de obstetrícia defasados como se eles fossem a fonte do saber eterno.
Falar sobre parto é tocar em feridas profundas, e as coisas ainda pioram quando se trata de mulheres cesareadas por vontade própria ou por uma cega confiança no médico que a acompanhou. Como é que esse médico, tão bacana, tão bem indicado, ou mesmo um membro da família pode estar errado? Como é que essas pessoas podem abandonar tudo o que elas acreditam, rever seus sentimentos, enxergar que passaram por procedimentos desnecessários, seja em seus nascimentos ou nos nascimentos de seus filhos e aceitar de uma hora pra outra que até agora elas foram levadas pelo sistema? Que foram páreas do abuso de poder de seus médicos de confiança?
E os médicos? Como aceitar que as escolas de medicina adotam livros de obstetrícia pra lá de ultrapassados, e praticamente ter que jogar no lixo a maior parte de sua formação como GO? Como, de repente, esperar que uma pessoa abandone tudo que ela acreditou até agora, que abandone o castelinho onde se escondeu pela vida toda e agora querer que ela saia por aí andando sendo que ela não sabe nem o que é andar?
A única coisa que as pessoas podem fazer é ter a certeza de que eu sou uma louca e escolhi parir em casa com uma parteira porque não sei o que estou fazendo. Estou trilhando um caminho extremamente perigoso, ouvindo pessoas que não são médicos "de confiança", que não sabem do que estão falando, que seguem uma modinha – apesar de existirem apenas alguns parcos partos domiciliares no Brasil, depois que a Gisele Bundchen pariu em casa, o parto domiciliar tem fama de estar na moda.
Sou eu que estou sendo guiada por perigosas e enganosas ideias libertárias, e ignoro os avanços da medicina correndo o grande risco de ter um natimorto e até mesmo perder minha vida no parto –“você não viu aquela australiana??” - me perguntam, se referindo a Caroline Lovell que faleceu na UTI do hospital no dia seguinte ao parto de parada cardíaca em decorrencia de problemas cardíacos no pós parto. E se eu rebater com um “as pessoas também morrem do coração nas aulas de aeróbica na academia” o argumento não tem poder, porque sou eu que não quero ver a verdade, sou eu que não quero aceitar que estou errada, sou eu que não quero dar o braço a torcer.
Eu quero ser moderninha, descolada, neo hippie, antenada. Quero fazer diferente pra aparecer à custa da vida do meu filho. Não é porque eu quero recebê-lo em meus braços e ter a chance de nos olhar por um longo tempo, ter tempo pra conhecer suas feições e ele às minhas, sentir seu cheiro, deixá-lo sentir-se seguro no meu colo reconhecendo meus batimentos cardíacos. Não é porque quero que ele não sofra intervenções desnecessárias do protocolo hospitalar, como ser levado pra ficar por horas "em observação" num berçário, longe de mim, numa separação violenta, que o fará chorar em coro com mais 15 ou 20 bebês, cada um deles num berço estranho e vazio, longe de tudo que conhecem até então. Não é porque quero que ele por si só encontre meu peito e mame quando sentir que deve, sem efeitos de anestesia, sem luzes atordoantes de hospital, sem enfermeiras pra lá e pra cá intervindo nesse nosso momento mágico... Eu devo ser mesmo egoísta por querer dar o melhor por meu filho no nascimento dele.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

23° semana

Você cresceu muito, minha barriga doeu, os músculos se esticaram muito rápido, fiquei um pouco sem equilíbrio, minha coluna parecia que ia se partir em duas partes. Os enjôos melhoraram, mas na seqüência comecei a ter refluxo e passei a ter que dormir reclinada. Com tantas mudanças no meu corpo e a evidencia cada vez maior da sua chegada me senti frágil e parei de ler notícias, mas mesmo assim não pude deixar de saber o que andou acontecendo lá fora: começaram a barrar o Xingu; o Kassab cometeu mais crimes contra os direitos humanos e roubou mais, entre outros delitos; mais pessoas foram despejadas das favelas do Rio, com a desculpa de risco de deslizamentos, as construtoras querem de qualquer jeito aqueles morros para fazer condomínios de luxo com vista para o mar até a Copa de 2014. E se antes eu já era uma andorinha tentando fazer verão contra esse mundo do avesso, agora com você dentro de mim, nem meia andorinha posso ser. Mas de repente você chutou, só eu pude sentir, eram chutes tímidos. As semanas foram passando, pude sentir você crescer tomando mais espaço dentro de mim e dando chutes mais fortes, que agora podem ser percebidos por qualquer um que ponha a mão sobre minha barriga. E então veio essa compreensão de que não estou fraca e inútil, estou mais forte do que nunca. Estou gerando você, sinto sua força dentro de mim, uma força tão grande que preciso descansar para que você consiga se desenvolver. Entendi que tudo mudou agora, eu sou sua mãe, e essa é a melhor coisa que eu poderia fazer por mim, pelo seu pai e pelo mundo. Fazer você, apesar de todo o desconforto com as mudanças no meu corpo, tem sido a melhor experiência da minha vida.