segunda-feira, 15 de abril de 2013

Leite, lágrimas e sangue


Toda liquida, entrei no puerpério, essa fase mágica de auto-descobertas.
Estava muito feliz, tinha conseguido parir meu filho como o planejado, no conforto e respeito da minha casa, com a equipe humanizada: parteira e doula, duas queridas. A Neonatologista não chegou a tempo. Pari em tempo recorde, três horas e vinte aproximadamente da primeira contração de barriga inteira até a chegada do bebê. Meu primeiro filho, meu eterno e infinito amor. Era tanto amor, tanto amor (ainda é muito amor, mas naquela época parecia que não ia caber dentro de mim) que eu desaguava em lagrimas.
“Tens o mar perto dos olhos, oh menina”, minha avó portuguesa me dizia sempre que chorava quando pequena. Quantas sensações da minha infância nesse puerpério! Eu já esperava por elas, eu tinha lido muito sobre o assunto, mas ler e saber com o lado esquerdo do cérebro é muito diferente de viver. Olhava pro meu filho lindo que dormia e mamava, dormia e mamava e lembrava da minha irmã, minha irmãzinha que chegou em casa no começo do ano de 1983. Eu assistia Formiga Atômica na TV e não queria ver aquele bebê que parecia “filha de japonês” (conclui isso quando a vi pelo vidro do berçário na maternidade). Mas minha mãe me chamava: “Carolina, vem ver a irmazinha!” Nossa, que saudades da minha mãe!!! Corri pra abraça-la, e ela carregava minha irmã empacotada nos braços e não tinha braços pra mim, abracei a perna dela e logo ela abaixou pra me mostrar aquele pacote. Me derreti. Eu relutei, não queria gostar daquele bebê, mas ela era tão indefesa e cheirosa que eu não podia não gostar dela. Assim começou nossa relação de irmãs. Ela era a minha boneca preferida, e eu, sem querer passei a ama-la tanto!
Lembrava da minha mãe chorando pra amamenta-la e olhava meus peitos em carne viva e chorava também. Meu filho regurgitou rosa durante dez dias. Dez dias. A pega estava correta, eu me posicionava bem, ele pegava bem, mas eu sangrava, por cima  e por baixo, e eu chorava. Chorei muito, não só de dor no peito, mas pelas minhas dores de menina abandonada por um novo bebê. Mas eu não era mais a menina abandonada eu era a mãe desse novo bebê, de verdade. Minha mãe sempre me colocou uma responsabilidade sobre minha irmã que não era minha, não podia ser, mas eu a carreguei pela vida. Eu fui mãe da minha irmã também, mas sem poder ser mãe. Era uma carga muito pesada pra mim, e pra ela também que não podia me obedecer como mãe, já que eu era só a imã. Mas agora verdadeiramente eu era mãe. Eu era mãe, eu sou mãe. Meu sonho desde menina.
Mas se ser mãe era o que eu sempre quis, porque tantas lágrimas? Porque não se sinto nem um pouco sólida?? Porque tantas dúvidas?? Ai, porque tantos porquês??
Os porquês são parte da vida, e parte da maternagem consciente. Ainda bem que me vieram tantos porquês, hoje eu agradeço e os aceito como parte da vida de mãe. Os soluciono em partes, claro, tem porquês que nunca se solucionarão e hoje aceito que isso faz parte da vida também.
Mas e aí, porque eu sou toda liquida??
Hoje concluo que pra receber esse bebê eu precisei ficar toda liquida, toda maleável, extremamente maleável como ele, pra aceitá-lo como ele era, e entende-lo, e acolhe-lo.
A natureza é muito sábia, e eu agradeço ter podido me conectar a ele apesar de estar no meio de uma cidade fria de pedra, uma cidade rápida e masculina onde as mães e bebês não tem vez, no máximo tem lugar no metrô, às vezes nem isso!
Eu pude me desconectar de tudo em volta e viver minha maternagem liquida. E foi lindo, mágico e revelador.
Eu agradeço ao feminino que me habita e que pude encontrar e reconhecer!
Agradeço à todo leite, toda lágrima e todo sangue que jorrei, com eles pude lavar a alma!
Um imenso obrigada à vida!!!


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

maternagem consciente e auto-cura

Depois que me tornei mãe não dá mais pra fingir que já passou. Já passou cronologicamente, mas as feridas abertas estão aqui no meu peito. E estão tão abertas que voltei a ter a mesma alergia que tive em 1993, a mesma coceira cheia de brotoejas que se alastram pelo corpo a partir do meu peito. Parece que tenho 13 anos de novo e esse buraco enorme de menina violentada está aberto e infeccionado, cheio de pus e agora precisa ser cuidado de verdade.
Obrigada filho, por ter me feito olhar pra mim mesma e me dar a chance de não poder fugir mais uma vez de encarar minhas feridas.